Last updated: 1 Oct, 2020

Em direção à unidade humana

A urna de mármore contendo o solo de todas as nações do mundo

.“Um novo espírito de unicidade tomará posse da raça humana...”

 

Em direção à unidade?

 

Vasudhaiva kudumbakam, disseram os antigos indianos: o mundo é uma família. 

O ideal da unidade humana, que já estava presente no alvorecer da civilização, nunca pareceu tão perto da realização, mas paradoxalmente o quanto mais próximo chegamos dela, mais parecemos nos iludir. É como se no início do século XXI a necessidade por uma unidade humana nunca tivesse sido tão grande, e ainda assim muito frequentemente essa mesma unidade, vista como inevitável, é percebida como um tanto ameaçadora.

 

Mundo em crise

Nós falamos de mundialização, de globalização, e no mesmo fôlego nós lamentamos os perigos da uniformidade. Nós falamos de democracia como um ideal universal e do progresso de todas as nações rumo a ela como irreversível, e ainda assim, ao mesmo tempo, esse modelo democrático é percebido como um sistema imposto por algumas nações em outras. Nós estamos encarando problemas ambientais que ameaçam a própria sobrevivência do nosso planeta. Nós estamos conscientes do ‘aquecimento global’ e de uma diminuição dos recursos finitos do planeta, e sabemos que a fim de resolver esses problemas comuns o Estado-nação individual já não é mais uma instituição adequada. Porém, o próprio conceito de um organismo supranacional é percebido como uma possível violação à soberania do Estado-nação, conquistada em numerosos casos depois de muitas décadas – ou mais – de luta e dor.

 

O apagar de culturas 

Nós alegamos que o mundo de hoje é uma aldeia global, porque o progresso tecnológico tornou a nossa Terra muito pequena, e as notícias podem instantaneamente alcançar todos os habitantes da Terra por meio de autoestradas da informação. Porém, existe o medo de que essa cultura da aldeia global possa apagar as diversas culturas da Terra; de fato é argumentado que já há um imenso direcionamento para a uniformidade dos hábitos de vida e para a uniformidade do conhecimento.

 

Fronte econômico

No fronte econômico, o muito falado processo de liberalização é visto por muitos como uma tentativa de impor a todos um único modelo adequado para alguns países, e para espalhar a todos uma cultura de consumismo. Um computador para cada um e pão para apenas um quarto da população mundial; é essa a meta para a qual estamos avançando?

 

Ciência 

No século XIX, intelectuais viram o progresso da ciência como o grande fator que poderia guiar rumo à unificação da humanidade, uma vez que a ciência era algo comum a todos os homens em suas conclusões e era internacional em sua própria natureza; mas, nós sabemos agora que a ciência pode ser mal usada, e está sendo mal mal usada, para descobrir mais e mais meios de destruição. Nós temos perdido a fé na ciência como uma panaceia para todas as maldades, mas o que há no lugar para substituí-la?

 

O maior obstáculo

Nós sabemos que o egoísmo é o maior obstáculo para uma vida de harmonia e paz na Terra, mas após tantos séculos de civilização nenhum montante de pregações religiosas ou ensinamentos morais têm sido capazes de convencer o ego a renunciar suas reivindicações, assim como falar a ele de fraternidade é falar a ele de algo fundamentalmente contrário à sua natureza.

 

Necessidade de uma real unidade

Assim sendo, parece que embora nós estejamos nos movendo um tanto relutantemente em direção a um tipo de unificação, esse não é um processo provável para resolver os muitos problemas agudos da Terra, nem a prevista unidade irá responder as necessidades mais profundas e aspirações do ser humano. Na verdade, nós temos começado a entender que se nós queremos preservar a liberdade para o homem se desenvolver e crescer em toda liberdade, essa unidade não pode ser construída através de meios mecânicos. Não pode ser alcançada desde que o homem não reconheça a unidade real entre homem e homem; não se pode chegar a ela por meio de dispositivos sociais e mecânicos; e nós apenas temos começado a perceber que se o objetivo dela não for trazer uma vida mais justa, mais brilhante e mais nobre para toda a humanidade, essa unidade dificilmente é desejável.

 

O homem será superado 

Portanto, torna-se urgente entender o que é essa unidade em relação à qual nos sentimos impulsionados, apesar de nós mesmos. O homem é um ser transitório, disse Sri Aurobindo brevemente após a Guerra Mundial, a evolução continua e o homem será superado. Não apenas Sri Aurobindo anteviu o próximo passo na evolução do homem, mas nos contou como participar dela: em vez de permanecer como um espectador passivo em um processo doloroso e incompreensível, nós poderíamos conscientemente colaborar em nossa própria evolução e nos libertarmos de nossas aparentemente inextricáveis amarras.

 

Usando os meios internos

Porém, para isso nós temos que reverter o processo, disse Sri Aurobindo, e em vez de usar meios externos, devemos nos voltar para o nosso interior, porque sem uma mudança na natureza do homem nenhuma mudança real nas circunstâncias externas é provável que aconteça. A única maneira que nós podemos nos mover em direção à unidade é progressivamente perceber que há um Espírito secreto, uma Realidade divina na qual somos todos um – não apenas percebê-la mentalmente, mas descobrir em nós mesmos e viver esse conhecimento. O segredo da unidade está dentro de nós, disse Sri Aurobindo; o segredo da irmandade está dentro. Não há unidade, exceto pela alma; não há verdadeira irmandade, exceto na alma e pela alma. Apenas quando vivermos da alma e não do ego a verdadeira unidade reinará na Terra.

 

Conectando com a nova conscienciosidade

Essa ‘era espiritual da humanidade’ representará então uma transformação na natureza do homem tão significativa quanto o aparecimento da mente pensante na Terra. Do mesmo modo como por milênios a mente foi o centro da nossa vida, então, na nova era que se abre para a humanidade, ou era ‘supramental’, a alma se tornará o centro de toda a vida e das atividades. Um novo estágio na evolução do homem já teve início; uma nova conscienciosidade, maior do que a mente, uma conscienciosidade da verdade, como Sri Aurobindo disse, na qual as dualidades, hesitações e limitações da mente e a ganância e a cegueira do ego não mais existirão, já começou a aparecer, e todas perturbações e convulsões que existem no presente, tão dolorosamente rasgando a nossa Terra, são os sinais externos dessa crise evolucionária. Essa nova conscienciosidade já está trabalhando na atmosfera da Terra: podemos nos conectar com ela, podemos chamá-la em nós mesmos, podemos usá-la para transformar nossa natureza inteira e consequentemente o mundo no qual vivemos. 

É neste sentido vasto e de longo alcance que Auroville está dedicada à unidade humana. Todos estão convidados.

(Portuguese translation by Pablo Antunes)