Last updated: 16 Nov, 2020

História do ‘For All – Pour Tous’

Este relato é sobre o Pour Tous (originalmente chamado de ‘FOR ALL/POUR TOUS’) [N. do T.: respectivamente, ‘Para Todos’ em inglês e francês], um estabelecimento maravilhosamente progressista em Auroville, iniciado em março de 1972, baseado no encorajamento original da Mãe. O trabalho nessa organização, que ainda está em pleno funcionamento, começa por meio da auroviliana Clare Fanning, que compartilha aqui a história dela e a história da unidade.

Suprimento para aurovilianos da primeira hora

“Eu escrevi este projeto no início de 1972, com a idade de 23 anos. Depois de viver mais de um ano em Auroville, me tornei bem consciente da necessidade de um serviço auroviliano dedicado a suprir os aurovilianos com o que eles precisavam em seus variados campos de atividade, dessa forma eles poderiam estar livres para se concentrar no trabalho a ser feito. Eu queria muito ver tal serviço estabelecido, uma vez que as pessoas tendo de ir a Pondicherry ou Madras para buscar suprimentos gastava muito tempo. Quando, ainda por cima, li a definição de ‘dinheiro’ da Mãe, eu estava determinada a colocar as minhas energias em criar essa proteção financeira em torno de tal serviço de abastecimento. A Mãe nos contou que o dinheiro era o poder do Divino no mundo material, mas que estava, infelizmente, nas mãos das forças vitais. Ela acrescentou que ele precisava ser devolvido para o Divino. Portanto, parece claro para mim que se Auroville era para ser a materialização do Sonho Divino, o dinheiro para suprir esse Sonho – sem a troca interna de dinheiro – precisava ser protegido.

Naqueles dias, Auroville não tinha a sua própria administração, exceto em Pondicherry, onde se poderia encontrar, no escritório litorâneo de Auroville, filas de grandes mesas de madeira dedicadas a assuntos administrativos ao entrar. Uma pessoa poderia ver aurovilianos vestidos com lungis e kurtas esperando lá para recolher, algumas vezes, grandes quantias de dinheiro deste ou daquele Fundo a fim de avançar o trabalho. Era frustrante não ter uma administração auroviliana na própria Auroville. Quando a administração de Auroville, finalmente, se mudou para Auroville em 1976 ou 77, ela veio a se localizar atrás do prédio do ‘For All / Pour Tous’, onde o dinheiro e os suprimentos foram centralizados.

O canal adequado

A minha carta propositiva para a Mãe foi curta e direto ao ponto; eu até me distanciei para me sentar em silêncio e colocar em poucas palavras o que era o entendimento na minha cabeça. A proposta dizia, “Mãe, se um dia for para Auroville funcionar plenamente conforme a necessidade e a demanda sem a troca interna de dinheiro, talvez tenha chegado a hora de criarmos aquele ‘canal adequado’. Nós poderíamos começar em um prédio temporário e ver como as coisas evoluem.” E em uma nota adicional posta ao mesmo tempo, sem querer chamar muita atenção àquele ‘canal’, eu perguntei: “Mãe, se este é o trabalho a fazer e o dinheiro vier por isso, qual deveria ser o nome da conta bancária?”

É isso!    É isso!

Naqueles dias, todas as novas ideias foram apresentada à Mãe através de Shyamsundar; portanto, esta também. Tendo lida a proposta e a nota que a acompanhava para a Mãe, Shyamsundar disse que ele nunca a havia visto tão feliz, e que ela disse, muito animada, enquanto apontava o seu dedo em um movimento de pancadinhas, “C'est ça! C'est ça! Donnez-moi une papier et stylo!” (“É isso! É isso! Dê-me um papel e uma caneta!”). Então, ela escreveu em letras grandes ‘FOR ALL’ e em letras menores ‘Pour Tous’. (Pode ser que valha a pena notar que, na época, a Mãe quase sempre assinava o seu nome como ‘Mira’ em casos relacionados a projetos de Auroville. O papel original, colado em um símbolo de jacarandá de Auroville e assinado por ‘Mira’ está, atualmente, disponível nos Arquivos de Auroville, e pode um dia ser retornado para os Serviços Financeiros). Assim como os desenvolvimentos adicionais de um projeto, a Mãe costumava encorajar cada auroviliano a conduzir os seus projetos de acordo com a sua própria consciência e sinceridade.

Oração por uma conta bancária

Sem a permissão da Sociedade Sri Aurobindo, que na época estava no comando de todas as contas de Auroville, eu fui ao State Bank da Índia em Aspiration para abrir a conta do ‘FOR ALL / Pour Tous’. Isso foi feito junto com Surbhi Patel, a primeira jovem indiana a viver no internato de Auroville, até aqui encorajada por seu avô vanguardista Kalyanjibhai Metha, então presidente da Lok Sabha (N. do T.: câmara baixa do parlamento indiano) e um homem que acreditava firmemente em Auroville. Aos 18 anos, Surbhi tinha decidido viver em Auroville, e concordou em trabalhar comigo.

Antes de irmos ao banco para coassinar a conta, nós duas fizemos as nossas orações que, um dia, irradiariam o poder do Divino de forma que o dinheiro pudesse estar protegido para a manifestação de Auroville. E assim começou. Levou cerca de dois anos para construir o que viria a ser conhecido como o primeiro prédio do ‘Pour Tous’ adjacente a Kuilapalayam, na vizinhança do assentamento Aspiration (onde, atualmente, ainda funciona como a agência de correios de Aspiration). O FOR ALL / Pour Tous efetivamente abriu para funcionamento em 28 de fevereiro de 1974. O primeiro serviço fornecido era apenas para alimentos e suprimentos básicos. O lugar tinha uma atmosfera alegre, com uma pequena equipe trabalhando em constante ‘entrega’ para fornecer o melhor trabalho possível ao consumidor. Surbhi desempenhou uma parte integral no sucesso desse trabalho, dividindo completamente a carga de trabalho.

O sistema começa

Então agora havia um sistema no local! As contas foram crescendo diariamente. Por uma razão de eficiência, todos tinham de fazer os seus pedidos até as 18h, dessa forma, as listas poderiam ser atendidas para as compras do dia seguinte pelo carro de boi em Pondicherry. Todas as contas eram ‘por depósito’ apenas; não havia transações em dinheiro através do balcão. Uma pequena porcentagem era pega para dar suporte ao trabalho, mas os preços nunca foram elevados acima dos valores reais de compra de Pondy. O Pour Tous não foi concebido como uma empresa comercial para fazer dinheiro, mas como um serviço para ajudar a suprir o que era necessário com o melhor preço. (Algumas vezes, os nossos preço eram até mesmo melhores do que os do Ashram, o que ocorria simplesmente porque os norte-indianos que faziam as compras para o Ashram nunca podiam se igualar à habilidade de negociação de Madhasudan como um auroviliano tâmil em um comércio tâmil!)

Por todos os aurovilianos que tinham contas pessoais, mais unidades de trabalho e algumas cozinhas comunitárias (naqueles dias havia pouco ou nenhuma cozinha nas cabanas), o dinheiro era regularmente depositado. Para aurovilianos sob o Prosperity (um sistema automático através do qual, após receber a aprovação da Mãe para ingressar em Auroville, todos os aurovilianos poderiam receber habitação, alimentos, vestimentas, uma cama e roupa de cama com redes para mosquitos, e artigos de higiene), eu coletava, uma vez por mês, o dinheiro deles para a proteção alimentar de uma daquelas mesas no escritório litorâneo em Pondy. Eu também coletava da maioria das cozinhas comunitárias. Todo o dinheiro era, então, colocado na conta do ‘FOR ALL / Pour Tous’ em Auroville. Yusuf Patel, o próprio contador-chefe de Auroville naquele tempo, auditava mensalmente os nossos registros. Todas as unidades de trabalho em funcionamento de então se comprometeram a contribuir com 10% do seu faturamento após um ano de operação. Ao final do ano, nós tínhamos contas separadas para cada unidade de trabalho, cada cozinha comunitária, e de quase todos os aurovilianos. Eu tenho orgulho de dizer que nunca tivemos dinheiro não contabilizado, com a exceção de um único roubo de 50 rúpias. No versão de 1975, sabendo que a organização estava bem estabelecida e não dependia mais da minha presença, eu pude partir para completar os meus estudos na França. Surbhi, Christine Bernard, Jayalakshmi e o contador Ellumalai (da aldeia vizinha de Kuilyapalayam) sabiam como tomar conta de todos.

Cestas e encontros do Pour Tous

Em 1976, o sistema de ‘encomendas’ mudou para um sistema de entrega de cestas uniforme, devido a restrições monetárias, em que os itens alimentícios comprados com os recursos disponíveis eram igualmente distribuídos entre os residentes, junto com o que era compartilhado pela produção agrícola do que crescia em Auroville. Enquanto isso, Auroville começou a ter semanalmente encontros gerais que eram chamados de encontros ‘Pour Tous. Esses ajuntamentos, que ocorreram sob o nome ‘Pour Tous’ por alguns anos, viram alguns tempos acalorados que não foram sempre caracterizados por sabedoria, mas, em vez disso, por toques humanos, especialmente quando a identidade legal de Auroville veio em questão e criou sérias divisões de opinião e fortes emoções. Ainda assim, nós alcançamos um acordo geral e nos prendemos a ele, a saber, que as cestas de alimentos seriam enviadas para cada e todo auroviliano independentemente das suas ideias ou opiniões (políticas). Aqueles foram anos turbulentos, até que a Suprema Corte sustentou a Ordem Executiva do Parlamento em 1982 e declarou que Auroville representava o mais alto ideal da Índia e que nada deveria ‘contrariar’ isso.

Após os primeiros cinco anos, o prédio original do Pour Tous se tornou muito pequeno, e nos mudamos para outro prédio nas proximidades. Como os serviços cresciam, da mesma forma as dimensões da contabilidade. Uma equipe honesta e sólida desenvolveu um completo e funcional sistema computadorizado de contabilidade, e se mudou com ele para o prédio ao lado.

Durante os anos subsequentes, as palavras ‘Pour Tous’ vieram a significar – nas mentes da maioria das pessoas – o nome da ‘loja’, e ‘conta Pour Tous’ o canal pelo qual quase todas as transações dentro de Auroville hoje são processadas sob o seu atual ‘Serviço Financeiro’.


(Page translated by Pablo Antunes)